terça-feira, 7 de outubro de 2014

Ilusão Verdadeira


      De olhos fechados, sentiu seus braços deslizarem por sua cintura num abraço suave. Seu corpo se achegou devagar, grudando em Ester, Arrepiou, mas continuou de olhos fechados e imóvel. Respirou fundo... Suspirou... Abriu os olhos e a sensação do abraço ainda estava lá. Ester não tinha coragem de se cobrir com o cobertor felpudo. Mais um suspiro e uma lágrima rolou.

      O quarto já não guardava o breu da noite sem lua, quebrado por um raio fraco da manhã. Imóvel, só movia os olhos para os lados, temendo se desfazer do momento mágico e medonho. Seu medo ainda era maior que a saudade. Esperaria, como de costume, o abraço se esvair no ar, o corpo ficar mais leve, mesmo em repouso, pelo afastamento do toque sutil e quente dele. A respiração era lenta e fria que perturbava sua nuca e o sussurrar de sua voz em seu ouvido era indecifrável. Estava dormindo, ele.

      Ester fechou os olhos e chorou. O corpo imóvel grudado ao seu permaneceu por mais alguns minutos. E entre uma piscada e outra desapareceu. Era como se sua alma saísse de seu corpo, parecendo flutuar. Então puxou o cobertor e se cobriu até as orelhas. Chorou mais um pouco, molhando a fronha bordada com as iniciais P&E. Paolo...

      Ainda com o cobertor tampando todo seu corpo, alcançou um porta-retrato no criado-mudo de mogno encerado e lascado nas beiradas. Herança da avó que fez questão de passá-lo para a neta preferida, doce e medrosa. Dizia que sempre que sentisse medo à noite bastaria tocar o criado-mudo e o medo passaria.

      Ester, desde criança, não suportava dormir sozinha num quarto escuro e fechado. Corria para a cama dos pais e depois para a da avó, quando esta ficara viúva e fora morar com os pais dela. Ouvia muitas histórias de fantasmas puxando-lhe os pés ou as orelhas e era suficiente para cultivar um trauma absurdo da noite sozinha num quarto escuro. Todos riam, mas a avó sempre consolava-a dizendo que eram anjos protetores, sem necessidade de temê-los. Mas quem conseguia colocar uma explicação confortável na pequena cabeça de Ester?

      Sua avó faleceu, Ester se casou e em pouco tempo ficou viúva. Paolo se foi, num acidente estúpido de carro provocado por um bêbado inconsequente e que também falecera.

      Olhou a foto de Paolo sorrindo, fechou os olhos e via-o repetindo inúmeras vezes que amava-a além da vida, além da eternidade. Era seu protetor, seu amigo, seu amor...

      E vez ou outra, talvez quando os céus permitiam, sentia Paolo abraçando-a ternamente, por alguns minutos e sentia o eu te amo em sua nuca, como sempre fazia ao se deitarem. Sabia que era Paolo.. O toque, o cheiro, a maneira como entrelaça seu braço em sua cintura, era ele... Sentia medo, pavor, mas era um momento só seu, incapaz de ser compartilhado com mais alguém. Um momento que não se sabia por quanto tempo duraria. Talvez a eternidade... Talvez até amanhã, talvez nunca mais... Paolo.

      Fim.

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