quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Olhos de Gato


      - Com licença, o senhor está esperando alguém? Posso me sentar neste banco aqui? - perguntou Merrie ao homem que estava sozinho, no balcão da padaria onde costumava tomar seu café da manhã.

      - Sim, claro, por favor! - respondeu olhando para Merrie.

      Sentou-se e pediu o de sempre: pão com manteiga e café puro. Agradeceu ao rapaz e continuou sua rotina diária. Adorava entrar na padaria bem cedo, inspirar aquele aroma de café torrado e do pão trincando no forno. Sem falar do perfume dos doces e quitutes que ornavam o balcão de vidro. Uma tentação diária que Merrie resistia bravamente. Era do tipo grandona, forte, porém bem modelada devido aos exercícios diários de pilates. Deixava todas as guloseimas para o sábado, dia escolhido para saciar a vontade de comer sem culpa. Depois do impacto de sua entrada sentiu um olhar lhe incomodando. Não queria olhar, mas não resistiu e olhou para o homem que lhe cedeu o lugar vago. Ele sorriu e percorreu todo seu rosto com fuzilantes olhos azuis. Olhava de uma maneira que Merrie realmente se incomodou e perguntou porque ele a encarava tanto e se já se conheciam de algum lugar.

      - Creio que não, minha jovem, certamente que não. - estendeu a mão e se apresentou como Fábio.

      Merrie retribuiu o aperto de mão e continuou seu café. Percebia o homem lhe encarar às vezes, quer dizer, lhe despir com os olhos e depois lhe vestir, quando olhava para o outro lado. Olhou para si para ver se tinha algo errado, um botão desabotoado ou o zíper aberto, ou mesmo uma sujeira no canto da boca, um batom borrado, não sabia, mas se incomodou muito.

      Merrie era desatenta, se lembrou de uma vez ir ao banheiro do Shopping e sair de lá com a saia do vestido preso na calcinha, mostrando toda sua traseira. Percebeu isso bem depois, quando passou em frente ao espelho que ficava dentro de uma loja. Olhou para trás e as pessoas riam de sua distração. Sorriu para as pessoas e se ajeitou. Já estava tudo mostrado então de que adiantaria se envergonhar?

      Mas com o olhar penetrante de Fábio não estava sabendo como lidar. Ele insistia em olhar para seu rosto e somente para seu rosto e decorá-lo inteiro, cada canto, cada marquinha, cada pinta, cada poro... Abaixou a cabeça e continuou a devorar o pão. Será que tinha alguma migalha no canto da boca ou presa no dente da frente? Disfarçadamente abriu sua bolsa e pegou um pequeno espelho. Olhou cada canto de seu rosto e nada de anormal percebeu. Queria sair dali, ou então queria que Fábio puxasse um assunto para quebrar a situação constrangedora.

      Seria ele um vidente que lê pensamento? Se apavorou tanto que tratou de pensar só no café preto e no pão que ainda estava pela metade. - Imagina um homem que nunca vi ler meus pensamentos? Depois da noite de ontem? - Se apressou ainda mais para terminar logo e se mandar daquele lugar com aqueles olhos de gato a lhe vasculhar a mente devassa.

      Finalmente terminou, levantou-se e Fábio perguntou se ela havia gostado do café. Ela sorriu, disse que sim e colocou os óculos escuros para observá-lo por inteiro. Não conseguiria encarar aqueles faróis iluminando a mais profunda escuridão do seu olhar. Homem elegante, bem cuidado, com bom gosto para se vestir e perfumado. Sentia de longe a fragrância cítrica amadeirada. Sorriu e se despediu.

      - Pode me acompanhar até a porta, por gentileza? - perguntou-lhe Fábio.

      - Sim, claro! - respondeu com uma dúvida. O que aquele homem queria com ela até a porta?

      Fábio colocou seus óculos escuros e do bolso da calça tirou um bastão. Lançou-o ao ar e este esticou. Uma bengala para cegos. Merrie se espantou deixando o queixo cair e levantando os óculos para ter certeza de que era isso que estava vendo.

      Ele alcançou seu braço e se apoiou, preparando para sair sem ter que topar com todas as mesas pela frente.

      Merrie sorriu, ajudou Fábio até a porta e lhe perguntou se queria que o levasse a algum lugar. Ele agradeceu e disse que morava por ali e que nunca havia entrado naquela padaria. Inconformada ainda ficou um tempo conversando com ele. Era advogado e estava no seu dia de folga.

      Antes de se despedirem trocaram telefone e até sorriram com alguma piada que Merrie sempre soltava. Com certeza ela o procuraria outras vezes, para o mesmo café ou até para um jantar em sua casa. Eram vizinhos e nunca haviam se cruzado por ali.

      Uma empatia se formou e Merrie imediatamente instalou pensamentos pervertidos sobre aquele encantador homem com olhos de gato. Pelo menos ele não tinha o poder de saber por onde seus olhos percorriam enquanto conversavam. Nem os olhos dela e nem os olhos de mulher nenhuma. Menos mal, pensava ela...

      Fim.

2 comentários:

  1. Oi, Clara!
    Que surpresa, heim?
    Não ter olhos para outras mulheres é um ponto à favor!
    Merrie é mesmo desatenta! kkkkkkk
    Uma crônica bastante criativa!
    Beijus,

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  2. Nooossa, tu és danadinha! E eu já iria ficar toda errada com esses olhares. pensaria ter um verdinho(temperinho) no dente,rs

    E que final inusitado, surpreendente! Adorei! Obrigadão pelo carinho lá. Viste que legal é daquele projeto de Portugal, o 77 palavras. Adoro ouvir eles falando! Legal! bsj, chica

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