quarta-feira, 9 de maio de 2012

Agora Inês é morta - Parte III

Continuação...


      Depois de um tempo em que Eustáquio estava sem forças, tempo este diferente do nosso, agora já restabelecido e amparado pela mãe, ele firmou no seu filho do meio, Augusto, o mais calado de todos. Começou a visualizar desde sua infância, no tempo de primário, ao qual era um excelente aluno, sempre tirava boas notas e nunca dera trabalho aos pais e aos professores. Era um anjo em forma de gente. Bem, era isso o que todos pensavam, quando olhavam e conheciam Augusto. Mas agora toda a verdade mostrada ali, numa das paredes daquele fétido velório; sem choros, sem lamúrias.

      Eustáquio via seu "do meio" com os olhos da alma, nua e crua, e não gostou nada do que viu. Primeiro, na infância, Augusto furtava de seus amigos, qualquer objeto disponível, quando seu dono não estava de olho. E guardava na cueca, sem que ninguém visse, e em casa, guardava numa caixa que era trancada à chave. Segredo seu e somente seu, que agora era desvendado pela alma do pai. "Mas por que ele roubava, se tinha tudo o que precisava?" - perguntava à mãe, que apenas o olhava e continuava calada. Na verdade, os furtos de coisas banais, baratas e sem nenhum significado para ninguém, era uma forma de suprir a falta de carinho e de atenção que Augusto tivera durante toda uma vida. Não tinha o amor do pai, mas tinha o que quisesse, mesmo pertencendo aos outros.

      Já adolescente, Augusto, com sua inteligência, incomodava os demais no ginásio, e com isso sofria agressões morais, torturas corporais que não apareciam, e que o faziam ficar sempre isolado em um canto. Era um menino que tinha ódio das pessoas, apesar de ser dócil com todos. Cultivava a vingança, planejando torturas, assassinatos, roubos cinematográficos, tudo por conta de uma vida totalmente de indiferença, de falta de atenção, em sua casa.

      Não tinha ódio do pai, admirava-o por sua severidade, por seu pulso forte, voz firme e dizia que tinha que ser assim mesmo, para se conseguir o respeito de todos. Eustáquio assistindo tudo aquilo conseguiu sorrir e se orgulhar do sentimento que seu Augusto tinha por ele. Mas não entendia porque praticava os furtos e forjava culpa nos outros alunos, além de programar mortes imaginárias, no banheiro do colégio em que estudava. Uma das mortes programadas: Augusto chamaria um de seus desafetos ao banheiro, e lá, de surpresa, tapava-lhe o nariz com um tecido embebido de éter ou álcool, até que desmaiasse, depois enfiava sua cabeça no vaso sanitário, até que morresse afogado. Fechava a porta, saía dali e muito tempo depois, voltava ao banheiro e por coincidência achava o corpo do jovem. Aí chamava todos e pronto! A culpa era tirada de suas costas. Ninguém via e ninguém sabia. Isso assustou muito Eustáquio que assistia as cenas, deixando-o com a boca aberta e uma lágrima escorrendo pelo rosto. Como podia um ser tão doce, tão inteligente, ser completamente louco?

      Pior ainda foi saber que o filho era homossexual, que tinha atração por homens desde sempre. Mas tudo escondido à sete chaves. Isso foi a pior visão que Eustáquio estava tendo até então: seu filho doce, inteligente, beijando outro homem na boca e tendo relações amorosas, em qualquer beco escuro que encontrasse pelo caminho. Pior ainda... Augusto fazia programas sexuais, num bairro longe de sua casa, transvestido de mulher, para não correr o risco de ninguém o reconhecer nunca. Eustáquio, que pensava ter o total controle de todos os seus protegidos, não acreditava no que via. Sentiu nojo de si mesmo, por nunca ter prestado atenção na demasiada bondade de seu "do meio", e com isso tê-lo corrigido enquanto era criança. Mas quem poderia imaginar uma coisa dessa? Augusto quase não abria a boca para nada, não reclamava de nada. Apenas seguia as ordens do pai. Não tinha feições no rosto de alegria ou tristeza ou preocupação; era sempre a mesma cara, todos os dias, todas as horas.

      A última cena de Augusto, vista por Eustáquio, foi dele chorando pela morte do pai, escondido, no banheiro. Até agora o único que realmente sentiu sua morte, pois não tinha mais em quem se inspirar para calcular bem todas as vinganças que um dia faria, com todos que um dia o humilharam ou o trataram com indiferença. Eustáquio chorou mais uma vez e pediu perdão a Deus, por sua falha com uma criatura ao qual chamava de filho "do meio". E uma angústia lhe atingia o peito por pensar que fora exemplo para o filho, mas um exemplo para o mal, para a vingança, para o ódio.  Exemplo este que Eustáquio sentia quando era criança, por seus pais, que sempre o trataram um tanto pior, como ele tratava sua família. Começou a encarar a mãe, que permanecia do lado, de cabeça baixa e o tempo todo segurando sua mão e vez ou outra, passando-a em sua cabeça, como uma forma de lhe aliviar as dores por todas as revelações nesse momento em que passara para o lado dos mortos.

Continua...

4 comentários:

  1. De onde não se espera é que vem...

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  2. Vamos lá!!

    Severo, brabo, ignorante com um filho violento, revoltado e outro, o do meio, cleptomaníaco, falso e gay!!!

    Hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmm.....vamos ver o que vai dar isso.

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx....

    KK

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  3. Oi Clara!
    Menina, uma desgraça seguida de outra. Este Eustáquio não poderia ter feito coisa melhor tendo olhos só para si mesmo. O mundo desabava ao lado dele e ele não percebia.
    Vamos nos preparar para os próximos capítulos.rsss
    Beijinhos!

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  4. clara, que roteirista você se transformou. muito joia. lamarque

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