Depois que minha avó faleceu, o Hemocentro de minha cidade pediu para que uma ou mais pessoas da família doassem sangue em seu nome. E olhe que a família é grande... Mas ninguém se prontificou. Então, quem vocês imaginam que levantou o dedinho e disse: "Eu vou!". Isso mesmo, a pessoa aqui fez isso.
É certo que em todos os lugares existem campanhas pedindo quase que pelo amor de Deus, que doem sangue. Então para minha humilde pessoa, isto seria um gesto nobre e completamente indolor.
E é "quase" indolor. Bem...
Mas levando em consideração o bem ao próximo, a caridade, a doação de sangue é um dos gestos mais nobres do ser humano.
A sensação que tive foi de um imenso bem-estar e ficava imaginando quantas pessoas que necessitam teriam uma chance de cura ou de sobrevivência com este simples gesto.
Me coloquei no lugar delas, fechei os olhos e me entreguei. Nessa hora a mente voa - a minha mente - e a vontade que me deu foi doar tudo o que eu tenho, quando eu morrer. Isso eu já compartilhei com minha família há muito tempo. Podem doar tudo o que for aproveitável.
Bem, olhando por este aspecto, ótimo, mas...
A pessoa aqui é comum, mas é um tantinho esquisita para certas coisas.
Gente, eu tenho fobia a sangue, machucado, dor alheia e a minha própria dor. Eu desmaio! Minha avó sempre dizia que eu só tinha tamanho, que era a maior molengona do mundo. E eu concordava com ela.
Primeiro eu cheguei no Hemocentro, me chamaram para uma salinha para responder algumas perguntas. Tudo básico e fácil, com respostas SIM/NÃO.
Depois me encaminharam para a sala de doação, mas antes tem um aparador com um belo de um café, com bolo, bolachinhas, leite, suco e tudo de gostoso. Comi antes.
Sentei na cadeira.
Na hora que a moça veio apalpar minha veia, pronto, comecei a suar frio e ficar nervosa.
- Calma, querida, não dói nada... Relaxa senão não acho a veia...
Pronto, palavra mágica: "não acho a veia" significa que ela vai ficar me furando pelo braço todo até achar a bendita da veia. Será que posso desistir? Mas e o café que tomei, será que vão me cobrar?
"Vamos lá, dona Clara... Já está aqui, aguenta firme, existe dor pior que essa... " Tudo isso vinha à minha mente enquanto a moça de branco me apalpava o braço.
E eis que surge a agulhaaaaaaaaaaaaa.... Uia, o que é aquilo gente? Uma britadeira? Vão amputar meu braço?
Nem olhei, e lá vai a moça de branco perfurar meu querido bracinho que tremia. Pronto, foi de primeira, ufa!
Ela me mandou ficar segurando uma bolinha, apertando e soltando e a bolsinha enchendo com meu sangue.
Será que demora muito?
E do nada a moça chega até mim e diz:
- Nossa, tá difícil heim... Seu sangue é grosso, acho que nem vai dar para completar.
Oi? O quê? Como assim, sangue grosso? Então desliga isso aí logo, antes que eu morra aqui, agora!
E dito e feito! Não completou a tal da bolsinha. Faltou pouquíssima coisa, mas faltou.
Geralmente quando a pessoa (normal) doa sangue ela vai para casa ficar um pouco quieta até passar o mal-estar. Mas a pessoa que doou o sangue não é propriamente uma normal. E o que a pessoa fez? Foi passear na praça!
É claro que passei mal, não sabia se conseguiria chegar até a minha casa, deitei no banco da praça e esperei meu pai, que eu já havia telefonado, me resgatar.
Que coisa mais ridícula a minha atitude. Parece que não pensa...
Mas todo mundo não diz que é simples, que não dói, que faz um bem enorme e nenhum mal à saúde? Então...
Depois dessa primeira vez, infelizmente não voltei mais lá. Não deu mesmo. Mas valeu pela minha avó e por todos que necessitam de umas gotinhas tão preciosas que temos.
Eu tentei, consegui uma vez e, me desculpe, foi só essa vez.
Olha isso! |